Estávamos em uma escola no interior de Santa Cruz, com a mala de livros aberta em cima da mesa, esperando a turminha se colocar em pose para a foto. Uma das meninas, a Lara, do alto dos seus 7 ou 8 anos, me olha muito triste e diz pra eu não levar o Medonho, ia ficar com muita saudade. Logo entendi que ela falava do personagem de um dos livros que tinha lido durante a passagem da Mala pela escola. Mais do que isso, tinha feito amizades. Expliquei, então, que outros amigos estavam chegando, pois aquela mala seguiria para outra escola, para que outras crianças também tivessem a oportunidade de conhecer o Medonho. Fui embora, passei por outras 11 escolas e não consegui esquecer o Medonho.
Em cada parada, em cada troca de malas, uma história ou muitas histórias. As crianças estavam muito felizes, contando sobre os personagens, sobre os livros que tinham lido, o que mais gostaram. Um esforço de todos os professores para aproximar a garotada dos livros, para despertar o gosto pela leitura. Sim, o gosto, porque esse dura para a vida toda. Hábito a gente perde ou troca por outro logo ali na frente. Gosto não, gosto a gente leva pra sempre.
Lembrei de um texto extraído do livro Histórias de Fantasia e Mistério, que diz que o "mundo parece ser feito apenas de coisas que a gente vê nele. Mas há outras que não vemos, embora existam. São as coisas que lemos. Elas estão escondidas no meio das letras." E mais, "muitas vezes, no meio de uma conversa, ouvimos falar de uma pessoa ou de uma história que o amigo conhece de leitura. Quem não leu ficou de fora. Por isso compartilhamos livros e leituras". Lembrei do Medonho. Conhecem? Não? Pois é. É o amigo da Lara.
Não tenho a menor dúvida da importância da leitura para um presente e um futuro melhor. Ninguém tem. O problema ou a solução seria atitude concreta para que a leitura fizesse parte, de verdade, da vida das crianças. Para isso precisa mais do que discurso. A Lei 12.244/2010 estabelece que até 2020 todas as escolas do ensino básico devem ter bibliotecas, com um acervo de livros de no mínimo um título para cada aluno matriculado. Estamos em 2019 e o Anuário Brasileiro da Educação Básica, publicado no mês passado, dá conta de que apenas 45,7% das escolas públicas de ensino básico possuem bibliotecas ou salas de leitura. E mais, apenas 14,1% das crianças do grupo de nível socioeconômico muito baixo possuem nível suficiente de alfabetização em leitura. A pesquisa, desenvolvida pelo Todos Pela Educação em parceria com a Editora Moderna, foi tema de reportagem publicada no Biblioo, site de notícias da área do livro, leitura e bibliotecas, no dia 25 de junho de 2019. E isso no ano em que o Plano Nacional de Educação (PNE) completa cinco anos.
E a gente está falando do mínimo. A gente está falando de compartilhar livros e leituras. A gente está falando de cidadania. De direitos. Em julho de 2018, foi sancionada a lei que estabelece uma política nacional para a leitura e a escrita. Ou seja, no papel está tudo bem. Mas não basta ter o espaço, ter os livros. Estantes não formam leitores. Esses números demonstram a parte mais frágil e importante do desenvolvimento de um país.
Fiquei bem feliz com as andanças da semana. É na escola que está a minha esperança para um país melhor. Espero que o Medonho já tenha encontrado novos amigos e a Lara também. Espero também que toda criança tenha acesso aos livros, que possa conhecer um Medonho ou o Pequeno Príncipe, o Lino, a Orie e os milhares de personagens que estão lá, dentro dos livros e que podem levar conhecimento, desenvolvimento, cidadania, respeito e tolerância. Copiando o imortal Érico Veríssimo, eu pediria que mantenhamos acesa essa lâmpada para o bem de todos nós. Se não tiver lâmpada, acenda uma vela, se não, risque fósforos repetidamente, mas não deixe esta luz se apagar. Leia, compartilhe livros e leituras.